Arquivo | julho, 2011

Julgamento

12 jul

Sem precisar de sentenças para saber-se condenado, tomou nas mãos o grande risco de fazer-se vivo.
Não tem o que temer da escuridão mais suja de suas torpes vontades, desejos escravos nebulosamente insinuantes…
Lava, com saliva e suor, pelas camas, sua pele sedenta, o corpo emprestado.
Repete velhos ritos, à espera que parta, outra vez, uma dor não escolhida.
Desfaz o desenho dos pêlos, com mãos de carrasco, num toque suave, do corpo que treme; a alma enjaulada carece de gozo, padece em pedaços de tempos perdidos deixados atrás.
Capturado entre as paredes, o breu, tão denso quanto os olhos escuros que cerra, o envolve. Encerra outro dia, fechando cortinas e jogando cobertas sobre si, solitário.
Numa das múltiplas ribaltas sinápticas, enfrentará o derradeiro tribunal. Perfilados abantesmas e repetidos reflexos povoarão seus sonhos inquietos.
Aspergido com sua própria semente, prescinde de sentenças.
E adormece, condenado.

O matiz de suas penas

9 jul

se não tivesse acordado
dormiria quase a vida inteira
foi um passarinho safado
e sua algazarra zombeteira

Em pleno feriado, foi despertado por um grupo de maritacas animadas, fazendo uma reunião ensurdecedora, em frente à sua janela. Dividido entre um desejo assassino e o deslumbramento ufano, resolveu ir até o banheiro cumprir o ritual escatológico de todas as manhãs.
Foi à janela da sala e conseguiu vislumbrar as sombras esverdeadas que passavam céleres, cortando os raios de sol, amarfanhando-se entre as copas frondosas das árvores. Desistiu de tentar contá-las ao chegar no treze.
Abriu a janela e não teve tempo de se arrepender. O frio aceitou o convite e as maritacas revoaram para longe. Fechou a janela, célere, e voltou à cama.
Não se surpreendeu em não conseguir pregar o olho. Rolou sob as cobertas por quase uma hora. Desistiu e soltou um palavrão emplumado.
Verificou as mensagens em vários servidores e grupos sociais internéticos; numa mensagem, um cliente cancelava a reunião previamente marcada. Não tinha obrigaçoes a mantê-lo desperto. Voltou à janela e não viu as maritacas.
Espreguiçou-se, aliviado, antes de retornar à promessa de conforto e abandono no leito solitário. Gastou um par de minutos achando a posição certa e a mais perfeita arrumação de lençóis e edredons, travesseiros e cobertas.
Fechou os olhos e não acreditou nos ouvidos. Elas voltavam, trazendo reforço. Na falta de arma de fogo à disposição, imaginou-se atingindo, uma a uma, as criaturas que se divertiam com as suas penas.

Tentando botar as leituras em dia…

8 jul

anya's cover

as férias da universidade chegaram e também chegaram alguns álbuns de hq que encomendei pelo amazon.
não segurei as pontas e já devorei “anya’s ghost” (first second, 2011, pb) da russa-americana vera brosgol; na capa, neil gaiman é citado afirmando que o trabalho é uma obra-prima. mesmo sem o ser, brosgol  tem uma mão segura e leva a história até o fim (221 páginas) sem deixar cair a peteca. vale cada centavo gasto: uma narrativa cujo roteiro é preciso e bem composto sob uma arte de traço econômico e agradável desenvolvida durante seus anos de animadora.

notsimple cover

iniciei a leitura de “not simple” da japonesa natsume ono (genji press/viz, 2006, pb). bastante promissor! a arte é agradavelmente esquisita e o texto é afiado. ainda estou no primeiro capítulo e já lamento que vá ter um fim (317 páginas). os dedos ficam ansiosos em clicar botôes de encomenda dos outros livros dela, mas vou esperar até o fim pra confirmar meus novos pedidos.
infelizmente, os exemplares do primeiro volume do prince valiant (fantagraphics, 2009, cor), do hal foster, e do the arrival (arthur levine, 2007, cor), do shaun tan, chegaram com amassões, riscos e alguns rasgos… mas os preços ainda são apetitosos.